





O capítulo desta terça-feira (6) de "Vale Tudo" foi um prato cheio para o humor involuntário... ou, como apontaram muitos internautas, para o "cringe" bem servido. Em um dos momentos mais aguardados da semana, o embate entre Solange (Alice Wegmann) e Odete Roitman (Debora Bloch) escancarou mais do que a rivalidade entre as personagens: expôs, com todas as letras, os problemas estruturais do texto de Manuela Dias. Complicado! 6iz47
Para além de Solange gritar "eu sou a resistência" no rosto da vilã em um tom para lá de panfletário, Afonso (Humberto Carrão) diagnosticou a própria mãe como narcisista, chegando a separar os tipos existentes do transtorno. O problema é que as falas do "pobre menino rico" soaram engessadas, como uma enciclopédia humana sem o menor tato. É claro que as cenas viraram uma enxurrada de piadas nas redes sociais e críticas à roteirista.
A cena tinha tudo para marcar o remake: Odete Roitman — ícone da vilania na teledramaturgia brasileira — finalmente confrontada por uma geração que, supostamente, não se cala diante das injustiças. Mas o que deveria ser um diálogo tenso e profundo virou um desfile de frases prontas, desprovidas de subtexto, timing ou emoção genuína.
“Sou a resistência” veio sem contexto ou construção anterior, como um cartaz que aparece do nada no meio de uma conversa cotidiana. Já a acusação de narcisismo a Odete soou como um diagnóstico clínico sacado do Google. Para o público que assistia em casa, a intenção ficou clara: a novela queria entregar crítica social, mas entregou um meme, e muito do mau feito!
No X (antigo Twitter), o nome de Manuela Dias rapidamente subiu entre os assuntos mais comentados da noite. Entre comparações com a versão original de 1988 e montagens cômicas com a frase de Solange, muitos usuários questionaram a opção da autora por falas panfletárias e sem nuance.
A novela de 1988, escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, ficou marcada por sua crítica feroz à hipocrisia social, corrupção, desigualdade e moralismo. E fez isso com diálogos irônicos, inteligentes, recheados de ambiguidade, onde o subentendido era tão potente quanto o dito.
No remake, essa sofisticação parece ter se perdido. O roteiro de Manuela Dias, ainda que bem-intencionado, opta frequentemente pelo óbvio. O que antes era dito com ironia, agora vem em forma de lição de moral. O público, mais exigente e habituado a consumir narrativas complexas nas plataformas de streaming, percebe e cobra.
Não é a primeira vez que a novela escorrega na tentativa de ser “contemporânea”. Desde os primeiros capítulos, a crítica tem apontado uma certa timidez da autora em abordar temas espinhosos com a contundência necessária. Agora, ao tentar inserir debates políticos e sociais por meio de frases de efeito, o problema se inverte: o discurso atropela a dramaturgia, e os personagens viram porta-vozes de teses mal desenvolvidas.
É um dilema comum em adaptações modernas: como atualizar temas relevantes sem perder a organicidade da narrativa? Em "Vale Tudo", pelo visto, a resposta ainda não apareceu.
Se a novela queria provocar, conseguiu, só não da forma esperada. "Parece legenda de post de influencer vegana", escreveu um internauta. "Manuela Dias está escrevendo novela ou roteirizando campanha de ONGs?", ironizou outro. Mas a zombaria revela algo mais profundo: a frustração do público com uma obra que carrega um legado gigantesco e que, até agora, não soube lidar com esse peso.